No setor de cardiologia pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (HCFMB), cerca de 70% dos encaminhamentos são devidos ao sopro cardíaco. Muitos pais se preocupam quando os filhos são diagnosticados com sopro e segundo dados da literatura médica, até 80% das crianças podem apresentar esta característica em algum momento da vida.
Conforme explica o especialista em cardiologia pediátrica, Rossano César Bonatto, o sopro não é doença. “O diagnóstico de sopro cardíaco em crianças frequentemente causa apreensão e estresse aos familiares, pois muitas vezes o sopro cardíaco é relacionado a alterações cardíacas. Entretanto, o sopro cardíaco por si só não significa doença, ele é um sinal clínico, um som, semelhante a um sopro de ar, que é audível durante o exame físico (ausculta do coração). Ele é causado pelo aumento na velocidade do fluxo do sangue, modificando-o de fluxo laminar para turbilhonar. Imagine o fluxo de água de uma torneira. Caso a torneira seja aberta com a saída de pequena quantidade de água, o barulho da água saindo pela torneira não é ouvido com facilidade, porém se a torneira for aberta com a saída de grande quantidade de água, o barulho da saída da água é facilmente ouvido. O mecanismo é parecido”, explica.
O especialista afirma que existem dois tipos de sopros: os sopros inocentes, que não trazem nenhum prejuízo à saúde da criança, e o sopros patológicos, decorrentes de alterações cardíacas congênitas ou adquiridas. Vale lembrar que se a criança tiver algum problema cardíaco, ela apresentará outros sinais além do sopro, como a cianose (“rouxidão”) nos lábios e dedos das mãos e pés, e/ou cansaço quando choram ou quando fazem esforços físicos. O maior esforço físico que as crianças pequenas fazem é mamar, portanto, durante as mamadas podem apresentar cianose ou cansaço. Outros sintomas que uma criança com alterações cardíacas pode apresentar são infecções respiratórias de repetição, além de peso e crescimento insuficientes para sua idade. Caso a criança apresente esses sintomas, um médico deve ser consultado imediatamente.
Os sopros inocentes ocorrem por características pertinentes à fisiologia infantil. Segundo Bonatto, existem alguns fatores que podem contribuir para o aparecimento do sopro nas crianças. “A maior parte das crianças têm sopros cardíacos inocentes, decorrentes das características próprias da faixa etária pediátrica, tais como: frequência cardíaca mais alta, o que faz com que o sangue circule mais rapidamente; parede do tórax mais fina, portanto com menos estruturas entre o estetoscópio (aparelho utilizado para a ausculta do coração) e o coração, fazendo com que os sons sejam ouvidos mais facilmente; maior angulação das artérias quando saem do coração, colaborando para que o fluxo sanguíneo seja mais turbulento; menor viscosidade sanguínea, o que contribui para o sangue circular em maior velocidade”, comenta.
O especialista também alerta sobre outra situação que pode causar sopro inocente em crianças, como a presença de estruturas no interior do coração que vibram quando o sangue passa por elas, gerando barulho. Além disso, alguns indivíduos possuem algumas angulações no interior do coração que tornam o fluxo de sangue mais turbulento. A febre e a atividade física são as principais situações que determinam aumento da velocidade do fluxo sanguíneo em crianças, tornando o sopro cardíaco mais facilmente detectável. É muito comum a detecção de sopro cardíaco em consultas realizadas no Pronto Socorro quando o indivíduo está com quadro febril.
O médico frisa que o sopro cardíaco, na maioria das vezes, não é sinônimo de doença cardíaca. “Reitero que sopro cardíaco não é uma doença, ele é um sinal, um som que é audível durante uma consulta médica e deve ser desmistificado que o sopro, por si só, seja perigoso ou possa causar a morte. Os portadores de sopros inocentes não apresentam alterações estruturais cardíacas significativas e consequentemente não possuem risco de morte decorrente de cardiopatias estruturais”, finaliza.
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