Entre a ética e a ciência: o papel da anonimização

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A privacidade nunca esteve tão em evidência. Desde a promulgação da Lei 13.709, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o cuidado com dados pessoais passou a ocupar um lugar central em diferentes áreas da sociedade. Em hospitais, como no dia-a-dia do HCFMB, esse desafio é ainda maior: lidar com dados clínicos — imagens, exames, informações demográficas — faz parte da rotina, mas exige responsabilidade redobrada. Surge, então, uma questão essencial: como proteger a privacidade dos pacientes sem impedir o avanço da pesquisa, a qual depende desses dados?

É justamente nesse ponto que a anonimização se apresenta como ferramenta essencial. Segundo o artigo 5º da LGPD, o dado anonimizado é aquele que não permite a identificação do titular por “meios técnicos razoáveis e disponíveis no momento do tratamento”. Complementando essa diretriz, a Resolução nº 738 do Conselho Nacional de Saúde, de 07 de novembro de 2024, reforça que a anonimização deve ser assegurada pelo Controlador dos dados — no caso, o HCFMB — a fim de proteger a privacidade e a intimidade dos participantes de pesquisas, garantindo que o uso dos dados ocorra de forma adequada e segura.

Na prática, isso significa que a anonimização deve remover qualquer possibilidade de identificar o paciente. Esse processo pode variar em complexidade: desde medidas simples, como ocultar/tarjar identificadores pessoais (CPF, nome completo, data de nascimento, entre outros), até recursos mais avançados, como impedir a reconstrução de imagens médicas — por exemplo, tomografias — que poderiam permitir a reidentificação de um indivíduo. Quando realizada de forma eficaz, a anonimização permite que os dados possam ser utilizados em pesquisa sem que se apliquem as restrições da LGPD, ao mesmo tempo em que se mantêm os padrões éticos e de segurança exigidos pela Resolução 738. Isso ocorre porque, mesmo sem identificar o paciente, os dados mantêm seu valor estatístico e clínico, permitindo análises relevantes e confiáveis.

Nesse sentido, o HCFMB, por meio da Gerência de Tecnologia da Informação e do Núcleo de Inteligência Artificial, em parceria com o grupo de pesquisa Recogna, da Unesp de Bauru, vem desenvolvendo uma ferramenta própria de anonimização. Atualmente em fase de testes, essa solução será utilizada em breve para a anonimização de prontuários para a pesquisa, reforçando o compromisso do HCFMB em unir inovação tecnológica, ética e produção científica.

Assim como a LGPD e a própria prática de anonimização, o Código de Ética Médica (Capítulo I, inciso XI1e Art. 732) também reforça o princípio de proteger a privacidade do paciente como parte do cuidado integral. Não se trata, portanto, de uma obrigação externa à rotina clínica, mas de um valor já enraizado no exercício profissional: ao resguardar os dados, protege-se não apenas a informação em si, mas também o ser humano por trás dela. Essa convergência de normas e condutas fortalece o respeito, a dignidade e a confiança que sustentam a relação médico-paciente — valores que devem igualmente nortear a pesquisa, garantindo que o avanço científico nunca se afaste do compromisso com o cuidado humano.

Longe de ser um obstáculo, a anonimização deve ser compreendida como uma medida adicional para que a pesquisa possa ocorrer dentro dos padrões necessários. Ao reforçar o compromisso com a privacidade dos pacientes, ela corrobora para um ambiente mais seguro à investigação científica. Assim, o conhecimento pode avançar com responsabilidade, em benefício da comunidade científica, médica e da sociedade.

Se você, pesquisador, estiver realizando um projeto que envolva dados pessoais de pacientes, mande um e-mail para o Encarregado de Dados do HCFMB (lgpd_encarregado.hcfmb@unesp.br) ou contate o CIMED para analisar a necessidade da anonimização em seu projeto.

1 XI – O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei. (Código de Ética Médica, 2019)

2 (É vedado ao médico) Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. (Código de Ética Médica, 2019)