Sangue bom também é sangue raro

Um sangue com característica específica, pouco frequente na população e, em alguns casos, com um traço de característica familiar – o sangue raro é considerado uma preciosidade pelos Hemocentros do País. Isso porque alguns pacientes com leucemia, transplantados de medula óssea e algumas pessoas com anemia falciforme, por exemplo, dependem desse tipo sanguíneo para a preservação de suas vidas.

“É um sangue diferente da maioria das pessoas, o que torna este doador mais especial, pois o sangue dele é mais compatível com outros indivíduos por não apresentar os antígenos (substância que, quando introduzida no organismo, ocasiona a produção de anticorpos) mais comuns”, explica Drª. Patrícia Carvalho Garcia, responsável pelo Setor de Transfusão do Hemocentro do HCFMB.

Quando o sistema imunológico reconhece que algo estranho invadiu o corpo, ele começa a produzir anticorpos. Essa substância protetora vai defender o organismo, combatendo bactérias e vírus. Assim também acontece com o sangue transfundido, que não é totalmente compatível. O receptor forma anticorpos contra os antígenos das hemácias transfundidas.

Isso significa que, em situações que exigem transfusão sanguínea, saber o tipo de sangue é fundamental para o sucesso transfusional. Os anticorpos, quando produzidos, atacam tudo o que não deveria estar no sangue, por isso é preciso certificar que existe a compatibilidade antigênica para que as hemácias do doador, ao serem transfundidas no receptor, não sejam destruídas.

Drª. Patrícia Carvalho Garcia, responsável pelo Setor de Transfusão do Hemocentro do HCFMB

Mapeamento

Quando um indivíduo realiza a doação de sangue, este é submetido a um procedimento chamado fenotipagem eritrocitária, mecanismo que permite identificar mais características além dos conhecidos grupos sanguíneos ABO e RhD — que, juntos, formam o popularmente chamado tipo sanguíneo, como AB positivo ou O negativo, por exemplo. Ao fazer isso, o hemocentro confere mais segurança às transfusões para pacientes que precisam da terapia transfusional.

“Existe um programa do Ministério da Saúde de doadores de sangue raro. Todo ano atualizamos esse banco de dados. Quando surge um paciente que precisa deste sangue especial, entramos em contato com o Ministério, que busca nesta ferramenta quem é que tem este tipo de sangue”, lembra Patrícia.

O Hemocentro do HCFMB já recebeu bolsas de sangue do Ceará, Campinas e de outras localidades do País para atendimento de pacientes que precisaram de transfusão sanguínea do tipo raro.

“Quando encontramos o sangue raro, cadastramos o doador, entramos em contato, explicamos que o sangue dele tem um elemento especial, perguntamos se ele gostaria de participar do programa e pedimos para que ele retorne para outra doação a fim de confirmarmos os exames”, frisa Patrícia.

Equipamento que realiza a fenotipagem eritrocitária

Vida Real

Com a finalidade de preservar a identidade do doador e receptor, utilizaremos apenas as iniciais dos nomes para a narrativa a seguir.

F. C. B, 27 anos, moradora de Avaré (SP), descobriu que tinha anemia falciforme, doença hereditária que causa malformação das hemácias e gera complicações em praticamente todos os órgãos do corpo, com dois anos de idade. A jovem sempre dependeu de transfusão de sangue para manter acesa a chama de seus sonhos.

F.C.B concluiu o curso técnico em enfermagem recentemente e tem o objetivo de atuar na área oferecendo o cuidado como matéria-prima para preservação de vidas.

A jovem depende do tipo de sangue raro e, no cadastro do Hemocentro de Botucatu, apenas três pessoas foram encontradas com compatibilidade sanguínea. “Quando eu estava internada precisava receber apenas duas bolsas de sangue para ir embora e foram dois meses até encontrar doador”, lembra.

Com intensa atuação do Laboratório de Imuno-hematologia do Doador e Controle de Qualidade e Agência Transfusional do Hemocentro do HCFMB, F.C.B conseguiu uma doadora compatível que tem realizado doações exclusivamente para ela.

“É a melhor sensação do mundo; saber que você pode olhar para o lado e ajudar uma pessoa de forma simples, com uma doação. Isto é o amor”, diz C.P.S., 34 anos. A moradora de Botucatu (SP) é uma das poucas pessoas que pode doar sangue para a manutenção da vida de F.C.B e realiza as doações exclusivamente com essa finalidade.

F.C.B e C.P.S ainda não se conhecem pessoalmente, mas se depender da vontade delas o encontro deverá acontecer em breve com apoio da equipe do Hemocentro do HCFMB.

Marcos e Patrícia atuam no Laboratório de Imuno-hematologia do Doador e Controle de Qualidade e Agência Transfusional do Hemocentro do HCFMB