Transfusão fetal intrauterina – conheça o procedimento que salva a vida de bebês

A incompatibilidade entre o sangue da mãe e do bebê pode causar uma anemia grave e levar ao óbito do feto ainda na barriga da mãe. Quando identificada essa incompatibilidade, por meio dos testes solicitados no pré-natal, a transfusão fetal intrauterina pode ser a única maneira de salvar a vida do bebê.

Com objetivo de prestar melhor assistência à saúde materno-fetal das gestantes atendidas, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (HCFMB), por intermédio do Serviço de Medicina Fetal e do Hemocentro, é referência no procedimento de Transfusão Fetal Intrauterina.

Quando há uma incompatibilidade entre o grupo sanguíneo da mãe e da criança, geralmente envolvendo o sistema RhD (mãe Rh negativo e bebê Rh positivo), ocasionando anemia fetal, a transfusão é indicada. “Os fetos que precisam da transfusão são aqueles que têm anemia moderada e grave”, explica a médica obstetra e fetóloga do HCFMB, Drª Juliana Marques Simões Villas Boas.

Essa patologia recebe o nome de Doença Hemolítica Perinatal ou Doença Hemolítica do Feto e do Recém-Nascido. Ela faz com que os glóbulos vermelhos (hemácias) do bebê sejam destruídos por anticorpos produzidos pela mãe, que acabam atravessando a placenta.

A doença é identificada durante o pré-natal por meio de rastreio de anemia fetal. “O diagnóstico é feito por meio do ultrassom, quando ocorre uma alteração ao Doppler, na velocidade do fluxo sanguíneo dos vasos ou outras alterações fetais que apontam uma anemia grave”, frisa Drª Juliana.

Os casos mais graves de anemia cursam com hidropisia fetal (acúmulo de líquidos em cavidades corporais do bebê), e apresentam maior risco de déficit neuromotor na infância quando não levam ao óbito ainda na vida fetal.

“Este fato deve ser levado em consideração quando abordada uma gestante com risco de que o feto apresente um quadro de anemia para que o tratamento seja realizado da forma mais adequada e o mais precocemente possível, contribuindo para melhor prognóstico, evitando o comprometimento da vitalidade fetal devido a anemia grave”, frisa Drª Juliana.

Drª Patrícia Carvalho Garcia, do Hemocentro do HCFMB

“A produção desse anticorpo contra o sangue do bebê (incompatibilidade materno-fetal), acontece porque o sangue do bebê não é idêntico ao sangue da mãe, pois o feto carrega também a herança genética do pai”, explica Drª Patrícia Carvalho Garcia, responsável pelo Setor de Transfusão do Hemocentro do HCFMB.

Na incompatibilidade RhD (mãe RhD negativo e bebê RhD positivo) é disponibilizada a imunoprofilaxia com a utilização da imunoglobulina anti-Rh chamada de “Vacina Rhogan”, que é aplicada nas gestantes com tipagem sanguínea RhD negativo durante a gestação e logo após o parto para evitar a formação de anticorpos contra as hemácias do bebê. “Apesar dessa possibilidade de prevenção da Doença Hemolítica Perinatal pelo RhD, o problema ainda existe”, pondera Drª. Juliana.

“No pré-natal são solicitados os exames importantes para identificação de gestantes que podem desenvolver essa doença como: a tipagem sanguínea ABO/ RhD e a Pesquisa de anticorpos irregulares (PAI)”, frisa Drª Patrícia.

Como é o procedimento?

A transfusão intrauterina é realizada, na maioria das vezes, por meio de cordocentese (punção do cordão umbilical) guiado por ultrassonografia para a transfusão de concentrado de hemácias ao feto. “O sangue selecionado para esse procedimento precisa ser O RhD negativo, além de ser um sangue novo, com menos de cinco dias de coleta, tem que passar pelos procedimentos de irradiação e desleucocitação”, explica Drª Patrícia.

Daí a importância de o banco de sangue estar sempre com o estoque renovado, principalmente com sangue O Rh negativo. Por isso, há necessidade de ocorrerem doações frequentes e contínuas. “Lembrando que muitos desses fetos já chegam com anemia grave, necessitando de transfusão imediata”, enfatiza Drª Juliana.

As médicas do HCFMB durante procedimento de transfusão fetal intrauterina – Drª Juliana Marques Simões Villas Boas e Drª Cláudia Magalhães

Durante a gestação há momentos em que ocorre a passagem do sangue do bebê para a mãe; eles se comunicam por meio do cordão umbilical. Na transfusão o sangue precisa ser compatível com o da mãe. “Depois do procedimento, não há necessidade da gestante permanecer internada. Todo o seguimento pós transfusão é ambulatorial e ultrassonográfico, em que se avalia a necessidade ou não de novas transfusões durante a gestação”, pontua Drª Juliana.

Importância da Doação de Sangue

“O procedimento de transfusão intrauterina exige um planejamento criterioso de toda equipe multiprofissional envolvida, não somente para a realização do procedimento em si, como também para o atendimento das necessidades que permeiam a gestante e seus familiares. É um momento de fragilidade, carência, insegurança e medo. Cabe aos profissionais de saúde minimizá-los”, explica a enfermeira Andrezza Belluomini Castro, Gerente do Hemocentro do HCFMB.

Dr. Claudio Lucas Miranda, Diretor do Departamento de Apoio à Assistência do HCFMB, reforça a importância da doação de sangue para que este procedimento imprescindível para salvar a vida dos bebês, não seja adiado ou postergado pela falta de sangue nos estoques do Hemocentro. “Este procedimento deve ser realizado o mais precoce possível para um prognóstico favorável na vida do bebê”, pontua.

Depoimento

A funcionária pública da cidade de Itapuí, Eliane Maria Mendola, 41 anos, é atendida pelo Serviço de Medicina Fetal do HCFMB para receber a transfusão intrauterina. Atualmente é a única gestante que realiza o procedimento no Serviço Hospitalar.

Eliane Maria Mendola

Quando estava com 27 semanas realizou a primeira transfusão e o segundo procedimento ocorreu quando completou 32 semanas. “Tenho sido muito bem atendida pela equipe”, diz.

Ela foi encaminhada para o HCFMB com 21 semanas de gestação, em dezembro de 2022, e deve receber o pequeno Manoel em seus braços em meados de maio.