Por Dra. Ana Gabriela Pontes
“A reprodução da vida na natureza não é óbvia”. Originalmente e cientificamente esta frase se aplica ao fato de que os seres humanos são considerados pouco férteis, uma vez que em torno dos 25 anosde idade, a chance do casal engravidar em um mês de tentativa, ou seja em um ciclo menstrual, é em torno de 25%.
Porém ancestralmente, o conceito da “fêmea”= vaso=útero= cuidado, atribuindo a Mãe exclusivamente a função materna e a ideologia da mulher procriadora, tornando a maternidade obrigatória (maternidade compulsória), ainda é algo que observamos frequentemente no comportamento da atual sociedade. Até décadas atrás, as mulheres nem se questionavam sobre isso. A mulher carrega séculos de ancestralidade: amor, casa, família, maternidade.
A Reprodução Humana, entendida por muitos como laboratórios onde se fazem bebês de proveta, bebês de laboratório,“fertilização in vitro”, transcende às técnicas de Reprodução Assistidaatualmente existentes.
Uma das principais funções do “Fertileuta”, ginecologista ou urologista especialista em reprodução humana é o de aconselhamento. Aconselhamento este, que engloba a avaliação do casal ou da mulher que deseja conceber. Avaliamos as possíveis causas de infertilidade, e as condições de saúde consideradas primordiais para uma gestação saudável, como por exemplo, o diabetes mellitus não diagnosticado para que o desfecho seja o de “Mãe e Bebê em “casa”.
Na Reprodução Humana, participamos da realização de “sonhos”, e neles, como em todos os sonhos de vida há sempre idealização”. Desde a gestação, do “parir” e da figura materna amamentando. “Sua majestade o meu Bebê”, citado por Sigmund Freud.
O ano de 2020 parou o mundo. O vírus SARS COV 2, causador da COVID-19, detectado em dezembro de 2019, em Wuhan na China teve uma disseminação avassaladora. Em menos de 1 mês após as primeiras notificações, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o surto pelo novo coronavírus (2019-nCoV) constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional.
Em março de 2019, quando a OMS declarou o mundo em estado de pandemia, o primeiro movimento dos “fertileutas”foram às recomendações em postergar as gestações, pois nada se sabia sobre as repercussões gestacionais e fetais. Os procedimentos em Reprodução Humana foram suspensos, incluindo os serviços do SUS.
Após meses, com a maior parte das gestantes desenvolvendo quadros leves, chegou-se a pensar que este não era um grupo de risco, apesar de poucos trabalhos e evidências científicas sobre as repercussões do vírusno sêmen, nos oócitos maduros, nos embriões e na morfogênese fetal.
Atualmente, nos deparamos com um novo desafio: “as variantes de atenção”, que são as mutações do vírus que podem ter impacto na transmissibilidade e letalidade. No HCFMB, o Serviço de Infectologia acredita que 90% das atuais infecções são decorrentes da variante brasileira do novo coronavírus,a P1 (SARS COV 2 P1). Esta variante tem um perfil de doença grave em gestantes, levando no último mês em Botucatu e região, há uma prevalência de Síndrome da Insuficiência Respiratória Aguda (SRGA) extremamente elevada e absolutamente diferente do comportamento do vírus no ano anterior. Por este motivo, aumentaram os casos de gestantes com necessidade de ventilação mecânica, cesáreas de emergência, nascimentos prematuros e morte materna.
Neste contexto, retomamos o aconselhamento rigoroso sobre o momento de engravidar. Entendemos a questão da idade materna avançada (maior do que 35 anos). Após os 35 anos, a chance de engravidar espontaneamente começa a declinar e após os 38 anos háqueda exponencial da reserva folicular ovariana, sendo que após os 40 anos esta chance é de aproximadamente 1 a 7%. O congelamento de óvulos (preservação de fertilidade feminina) e de embriões pode ser uma opção nesta situação.
Devemos ter a consciência de que mesmo que se pense em engravidar e permanecer em casa durante toda a gestação, a gestante permanece em risco para COVID-19, pois terá contato com os outros membros da família, e que mesmo vacinados, podem transmitir a doença. Outro aspecto importante, é que somente agora, inicia-se efetivamente o processo de vacinação em gestantes com as vacinas produzidas pelo Instituto Butantan e pelo Laboratório Pfizer, aprovadas para o uso na gravidez.
Na Reprodução Humana, habitualmente atuamos com casais com grande carga emocional e tensional, decorrente do diagnóstico de infertilidade e do histórico de tentativas sem sucesso. A pandemia pela COVID 19 pode levar os casais ao entendimento de que os “sonhos” e planos estão sendo interrompidos. Fato que a equipe do Centro de Reprodução Humana tem a dimensão do impacto psicológico.
Por outro lado, neste momento, a recomendação atual da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana é o adiamento dos ciclos eletivos de Reprodução Assistida.
Em mulheres com idade materna avançada, os casos devem ser individualizados.Uma alternativaé a criopreservação de gametas (oócitos e espermatozóides) e embriões.
Em pacientes oncológicos, que necessitam de tratamentos em que há possivelmente lesão das gônadas (ovários e testículos), são considerados de urgência, sendo recomendado iniciaros ciclos de criopreservação de oócitos e sêmen, assim que realizado o diagnóstico, com orientações sobre riscos e benefícios do tratamento durante a pandemia por COVID 19.
Nós, da equipe do Centro de Reprodução Humana do HCFMB aguardamos ansiosamente o momento em que “tudo isso” passe e voltemos a proporcionar a concretização da maternidade /paternidade, sonhos e vida.
Dra. Ana Gabriela Pontes é Coordenadora do Centro de Reprodução Humana e responsável pelo Serviço de Ginecologia Endócrina e Reprodução Humana do HCFMB
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