E aí? Como vai a vida fora das redes sociais?

Evandro Cini

Mães e pais mandaram um “zap” para seus filhos. Os risquinhos que apontam que as mensagens foram entregues não apareceram.
A fofoca entre amigos ficou pelo caminho.
E aquela selfie bem iluminada, que deixa os olhos evidentes não aparecia no feed do Instagram de jeito nenhum.
Muitos esbravejaram com o roteador de WiFi e com as operadoras de telefonia e internet. Mas logo veio a resposta. Eu estava ao vivo na TV, quando tive de noticiar:

  • “A semana começa com Wahstapp, Instagram e Facebook fora do ar. As plataformas informam que estão verificando o problema e pedem paciência aos usuários”.

Paciência? O mercado financeiro não teve.
As ações do Facebook cairam quase 5% na bolsa de tecnologia de Nova Iorque, o que representou redução de U$$ 50 bilhões no valor de mercado. Com isso, Mark Zuckerberg perdeu U$$ 5,9 bilhões de sua fortuna, o que fez Bill Gates ultrapassá-lo na lista dos mais ricos do mundo.
Mas o dilema pessoal de Zuckerberg não amenizou a reação e nem o prejuízo daqueles ganham dinheiro com as redes sociais e que usam o Whatsapp pra se comunicar com clientes,

E como pedir paciência para pessoas internadas com covid-19, que só conseguem falar com parentes e amigos por meio de chamadas de vídeo e mensagens do Whatsapp?

Mais do que isso, o blackout digital obrigou milhões de pessoas a voltarem pra vida real e nem todo mundo gosta de encarar a realidade. O Professor Voluntário da Faculdade de Medicina de Botucatu, Dr. José Bertolote explica esse comportamento:

  • “As redes sociais possibilitam a criação de uma realidade virtual onde algumas pessoas começam a viver e passam a transferir para as demais uma imagem que é da fantasia delas e que não existe no mundo real. Este mundo virtual que é das redes sociais e que é também dos jogos de videogame permite que a gente tenha a sensação de que pode controlar o TEMPO”.

Essa sensação de controle é como um entorpecente para o nosso cérebro, como aponta o Médico Psiquiatra, Primo Paganini:

  • “Nosso cerebro possui o sistema de recompensa, que usa a dopamina, neurotransmissor do prazer, como principal substancia, o que nos dá o ‘barato’ e nos inunda de prazeres. Isso é viciante. É como se esse sistema repetisse em nossa mente: quero mais e mais”.

Já viver O AGORA inclui uma reflexão daquilo que está ao nosso redor todos os dias, mas que desprezamos ao manter os olhos vidrados no celular. A vida como ela é, sem filtros. Esse pacote também exige que ouçamos o amigo, o colega de trabalho e a irmã falarem sem acelerar o ritmo em 1x, 1,5x ou 2x. Falar é fácil, ouvir não… E por que isso incomoda tanto? Para o Neurocirurgião da Universidade de São Paulo, Fernando Gomes, o motivo é o aumento da energia que o nosso cérebro gasta pra viver o presente:

  • “O cérebro representa 2% do peso corporal, mas consome 20% da nossa energia. Ou seja, as redes sociais nos colocam numa zona de conforto que faz com que o gasto de energia seja menor”.

Por outro lado, as seis horas de apagão impediram o compartilhamento de milhões de fake news que rodam em grupos de whatsapp e em postagens do Facebook. Também barraram demandas de trabalho desnecessárias, que chegam por mensagens fora de hora, simplesmente porque o chefe quer desafogar seus próprios compromissos. Por algumas horas, vivemos o silêncio. E a pergunta que devemos nos fazer é: isso nos agradou ou nos incomodou?

Agradou?
Para os especislistas, significa que você tem maior controle sobre o mundo virtual e um entendimento privilegiado da própria existência.

Incomodou?
Significa que está faltando equilíbrio. De acordo com os médicos, esse incômodo pode evoluir para uma ansiedade e até para a depressão. A dica é estabelecer períodos em que você fique longe do celular e substituir o acesso as redes por atividades ao ar livre.

O principal é compreender que nenhum selfie, storie ou feed é mais emocionante e desafiador do que viver.

Evandro Cini é jornalista e apresentador da CNN Brasil.