Tempo é vida

Em um domingo ensolarado, o senhor Nelson Fregona, 74, arrumou suas coisas e foi ao campo de futebol suíço da Associação Atlética Botucatuense (AAB) encontrar os amigos para uma partida.

Neste mesmo domingo, o chefe do Serviço de Cirurgia Cardíaca do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (HCFMB), Dr. Marcello Laneza Felicio, saiu de um plantão e decidiu ir ao mesmo clube, no mesmo horário. Coisa que não costumava fazer aos domingos, muito menos após uma noite exaustiva de trabalho no Hospital.

Nelson calçou as chuteiras e entrou em campo. Dr. Marcelo sentou na arquibancada para assistir ao jogo. No primeiro chute, Nelson caiu no gramado, desacordado.

Felicio ouviu os pedidos de ajuda e logo correu para o meio do campo, sem saber ao certo o que tinha acontecido. Após identificar que se tratava de uma parada cardíaca, pediu para os outros jogadores entrarem em contato com o SAMU e iniciou as manobras de reanimação. “Suspeitei que o senhor Nelson estava sofrendo um infarto em campo. Além da massagem cardíaca, também foram necessárias desfibrilações (choques), para que o coração voltasse a bater”, explica.

Não pensei em nada diferente quando saí de casa. Achei que seria um dia como qualquer outro. Só lembro que tive um apagão. O restante, sei porque todos contaram”, afirma Nelson.

Segundo Dr. Marcello Felicio, o mais importante do atendimento em um local público é o reconhecimento da parada cardiorrespiratória e o início imediato das manobras de reanimação. “A lesão celular cerebral acontece após quatro minutos de parada cardíaca sem a devida assistência. Após um mal súbito, tempo é vida”, diz.

Foram 16 dias internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Coronariana do HCFMB. “Meus quatro filhos e minha esposa saíam do HC desanimados todos os dias”, conta o paciente. Para os médicos, as chances de sobrevivência eram mínimas.

No último dia, a equipe médica se reuniu com a família do Sr. Nelson, e com delicadeza, explicou sua situação clínica: o paciente não reagia aos cuidados intensivos da UTI Coronariana do HCFMB. Dorotéia Fragoso, esposa de Nelson, ouviu as orientações e aceitou que os cuidados e as medicações fossem reduzidos gradualmente, e os aparelhos que ainda mantinham o marido vivo, desligados. “Percebi que já tinham feito de tudo, via o quanto a equipe estava se dedicando. Mas não estava adiantando”, lembra.

E no dia em que os aparelhos seriam desligados, Nelson reagiu às medicações. A equipe médica mudou toda a conduta e avisou a família. Em poucos dias, Nelson foi transferido para a Enfermaria de Cardiologia do HCFMB, onde continuou o tratamento, e o mais impressionante: sem nenhuma sequela.

A resposta ao tratamento foi surpreendente. Ele apresentou um infarto agudo do miocárdio extenso, principal causa de morte súbita em pessoas acima dos 35 anos de idade. O coração ainda precisava se recuperar, estava muito fraco. Por isso, necessitou de marcapasso cardíaco, de aparelho de assistência circulatória para ajudar o coração bombear o sangue para o corpo, além de hemodiálise. O caso foi muito grave. Mas ele conseguiu”, comenta Felicio.

Estou aqui hoje no retorno e a médica que me atende me diz toda vez: o senhor desafiou a ciência”, conta, emocionado. “Tive muita sorte do Dr. Marcello estar no campo naquele dia. Por ser tão bem cuidado aqui no Hospital. Pelos meus amigos do futebol, que foram pediram socorro rapidamente. Sou muito grato a todos que cuidaram de mim, que me ajudaram, que rezaram. Dou muito valor a minha vida. Eu me considero um milagre”, finaliza.

Corrente de sobrevivência

Felício diz que o caso do senhor Nelson foi um exemplo de sucesso que Sociedade Americana de Cardiologia chama de “Corrente de Sobrevivência”. “Os elos desta corrente são a comunicação rápida com o serviço de emergência, a reanimação cardiopulmonar, o uso do desfibrilador e suporte avançado precoce”, explica.

Estima-se que, no Brasil, ocorra mais de 200 mil casos de morte súbita por ano. Destes, 90% são por doenças do coração que podem ser tratadas, se diagnosticadas a tempo.